12/06/2008

Sobre a eficácia da Justiça

Foi publicado neste blog, em 30/05/08, o post com o título "Justiça no Brasil. Novos Rumos?", elogiando uma nova medida para avaliar os juízes, em que é computado o número de decisões dos nossos magistrados. A respeito do artigo postado por PCM, alguns comentários são necessários.

Avaliações parecidas com esta já são feitas no Poder Judiciário. Os juízes, de acordo com a Constituição Federal, são promovidos por dois critérios: antiguidade e merecimento. A antiguidade prescinde de explicação. Quanto ao merecimento, dois dos "subcritérios" observados, ao menos no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, são a quantidade de decisões (sentenças e decisões interlocutórias, que resolvem incidentes processuais) e o número de decisões dentre essas que são reformadas pelos tribunais. No caso, quanto menor o número de decisões reformadas, maior o mérito do magistrado.

Por muito louváveis que pareçam ser esses critérios, é preciso cuidado com alguns aspectos:

O primeiro, e mais delicado, é o equilíbrio entre o princípio da celeridade - elevado à categoria de direito fundamental pela inclusão do inciso LXXVIII ao art. 5º da Constituição Federal - e a efetiva prestação jurisdicional. Explico: no intuito de acelerar o processo, muitas vezes os juízes passam por cima de procedimentos importantes sem a devida atenção e acabam por prejudicar as partes no processo. É o que tem-se visto freqüentemente na prática.

E a efetiva prestação jurisdicional nada mais é do que levar ao usuário do Poder Judiciário o Direito de forma coerente, de forma que as decisões possam ser aproveitadas na prática pelas pessoas. De nada adianta uma sentença rápida se não se observar algum aspecto importante e com isso deixar de prestar um serviço de qualidade.

O equilíbrio entre esses dois princípios é o que determina a eficácia da Justiça.

Ainda com relação a esse critério, o número de sentenças por si só mascara a realidade da duração dos processos. É que, na maioria dos casos, as sentenças não põem fim ao processo, apenas decidem a lide (definem quem está com a razão e condenam o perdedor ao pagamento) e dão início à fase de execução (onde cuida-se que o vencedor receba o que lhe é devido). E essa fase costuma ser bem mais longa, apesar dos esforços legislativos em contrário, representadas pelas recentes reformas no Código de Processo Civil que tornou-a mais célere do que era antes. Ou seja: a sentença está lá, anotada na "caderneta" do juiz, mas o sujeito a quem ela beneficia continua esperando que o Judiciário providencie seus direitos.

Com relação ao segundo critério, a princípio somos levados a crer que os juízes cujas decisões não são reformadas são mais competentes, pois suas decisões são boas.

Aqui temos que observar que, na prática, ao cuidar para que suas decisões não sejam reformadas, os juízes tendem a ser conservadores, a exemplo dos tribunais, que o são por natureza, já que a maior parte dos seus membros tem idade mais avançada que a dos juízes.

Não faço aqui juízo de valor, já que muitas vezes o conservadorismo é bom. A multiplicidade de decisões, porém, fomenta discussões e é uma das formas de se enriquecer o Direito e torná-lo mais coerente com as transformações sociais, o que é essencial.

Percebemos, portanto, que, tratando-se o Direito de um fenômeno social, que não pode ser traduzido em números como nas ciências exatas, avaliações exclusivamente com base em números são insuficientes e ineficientes.

Para que iniciativas como essas funcionem, e não se tornem mais uma medida distorcida com efeitos perniciosos como acontece em muitos casos nesse país - e como tem acontecido, infelizmente, também no nosso Tribunal de Justiça - é necessário saber aplicá-las com bom senso, seja pelos juízes avaliados, seja pelos responsáveis por suas avaliações. É preciso não confundir apenas velocidade com eficácia.

Parece-me, inclusive, que o bom senso é o que mais faz falta a todos nós nesse país.

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