02/08/2009

Dácio Vieira: O desembargador que veio dos quintos

Ou, de como contratamos um juiz, mas nos entregaram um censor.



Nesta foto, por enquanto ainda permitida pela neo-censura brasileira, vemos um bando de sorridentes convivas de um dos mais faustosos casamentos brasilienses dos últimos tempos.

Da esquerda para a direita temos um juiz (não um juiz recém togado que exerce a sua função nos quintos dos infernos, mas um desembargador,- tudo bem que lá chegou sem concurso, mas pelo atalho do "quinto constitucional”, que o levou, de um consultor jurídico do Senado, ao emprego atual), o Sr Dácio Vieira. Ao seu lado, em modelitos tomara que caia, Ângela, sua mulher, e Sânzia, mulher de um Alto Funcionário do Senado. Depois, três "cavalheiros" sobejamente conhecidos: o primeiro e o terceiro são dois tomara-que-caiam travestidos de Senadores da República (os senhores José Sarney e Renan Calheiros). No meio deles, sorridente, com uma flôr, que é bom não cheirar, na lapela, o Alto Funcionário do Congresso que convidava todos, ao que tudo indica a nossas expensas, para a festança (este já caíu), o Sr Agaciel Maia!

Curiosamente, o primeiro da fila proibiu o jornal o Estado de S. Paulo de transcrever qualquer trecho da Operação Boi Barrica, que a Polícia Federal move sobre atividades do empresário Fernando Sarney (coincidentemente filho do tomara-que-caia do meio da foto) sob a alegação de que são coisas privadas, e não assunto público, as obscenas conversas telefônicas que comprovam o desvio do dinheiro dos nossos impostos para empresas privadas.

Até quando continuaremos sendo uma república de bananas que permite, e paga, este estado de coisas!?

1 comentários:

LFM disse...

Bom post. Mas alguns esclarecimentos são necessários:

O "quinto constitucional" não é uma forma de ingresso na magistratura pela janela. É uma forma prevista pela Constituição Federal de garantir a composição plural dos nossos tribunais (1/5 dos membros dos tribunais deve ser composto por membros do MP, advogados e defensores públicos), e assim proporcionar maior riqueza de decisões, já que cada uma dessas carreiras tem uma perspectiva diferente do Direito, pois as formas de atuação são completamente diferentes. Os membros dos tribunais nesses casos são indicados em lista sêxtupla pelos órgãos dos quais fazem parte (OAB e MP), e os nomes são escolhidos - em tese - com base nos critérios de "reputação ilibada" e "notável saber jurídico". O Tribunal em questão escolhe 3 desses 6 nomes e envia ao representante do Poder Executivo (governador ou presidente da república), que escolhe um. É um formato que demanda força política do nomeado, quer entre seus pares, quer perante o tribunal ou o representante do Poder Executivo - força essa que deveria sempre ser obtida através do mérito no exercício profissional e acadêmico.

Outro esclarecimento pertinente é o da legitimação dos magistrados por sua atuação. Como, ao contrário dos demais poderes, os magistrados não são eleitos por voto direto, mas aprovados por concurso ou, no caso do quinto, por indicação e escolha, a sua legitimidade perante o cidadão se dá através de sua atuação, que deve ser pautada pela probidade e pela observância a princípios constitucionais como o da legalidade - justificando sua representação pela correta concretização da justiça (tutela jurisdicional).

Ligado a isso há a questão da distribuição da competência (entendida aqui não como mérito mas como forma de organização da atividade) para julgar, que é feita por sorteio. Ou seja, toda vez que o judiciário é acionado, a escolha do magistrado que irá julgar a causa ou incidente é feita por sorteio, impedindo favorecimentos pessoais pela escolha do magistrado pelo jurisdicionado, e garantindo um julgamento isento e legítimo. Para controlar isso, o CPC prevê as exceções de impedimento e suspeição, oponíveis aos magistrados que, a despeito do sorteio, tenham vínculos com as partes (p. ex. sendo parente ou amigo íntimo de uma das partes) ou com a causa a ser decidida, e que poderiam favorecer uma parte em detrimento de outra.

Posto isso, tem-se que a indicação e nomeação do desembargador em questão ou foi por mérito - em que pese ter sido consultor do senado - ou foi fruto de muita força política nas três esferas mencionadas acima. Infelizmente, os critérios de reputação ilibada e notável saber jurídico são muito subjetivos para que se faça um controle eficaz e objetivo da nomeação. Mas partamos do pressuposto de que a nomeação foi correta, para não fazer julgamento com base em informações incompletas.

De qualquer forma, ainda que seja merecida a nomeação do desembargador, parece coincidência demais que o mesmo tenha sido sorteado para decidir sobre a causa mencionada - e é aí que reside o cerne da questão, pois para fraudar a distribuição é preciso um esquema - já que a decisão foi favorável a pessoa com quem o magistrado supostamente tinha relações sociais (fosse só isso, tudo bem) e parece ter contribuído - ainda que licitamente - para sua nomeação.

As evidências, portanto, indicam que a decisão não foi isenta, pondo em cheque a legitimidade do desembargador mencionado para atuar nesta causa - o que, se comprovado, torna nula a decisão e passível de sanção administrativa o julgador (que tem o dever de declarar-se, de ofício, suspeito ou impedido). A boa notícia é não há restrições para a publicidade dessa decisão e há meios juridicos para apurar e controlar isso.

Em todo caso, dada a gravidade da questão (a publicidade dos atos administrativos é pressuposto para sua existência), tudo isso deve ser apurado com cautela e devidamente noticiado, para não esquecermos que vivemos, ao menos em tese, em um Estado Democrático de Direito.

 
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